É inegável o mérito de uma política pública que pretenda melhorar os hábitos alimentares da população e reduzir a incidência de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT). No entanto, é necessário observar principalmente sua capacidade efetiva de promover mudanças relevantes frente aos seus custos de formulação e administração. Sobre isso, são aqui destacados quatro questionamentos quanto ao intento de tributar alimentos conforme sua saudabilidade.

Em primeiro lugar, são questionáveis os critérios para definir um alimento como “não saudável”. Como define a OMS, “saúde é um completo estado de bem-estar físico, mental e social, e não a mera ausência de uma doença ou enfermidade”. Portanto, é arbitrário classificar um produto alimentício com base apenas em sua composição de nutrientes e ingredientes, como é o caso do conceito de alimento “ultraprocessado” usado como justificativa para a taxação de produtos industrializados.

Além da nutrição, um alimento cumpre diferentes funções na vida dos consumidores, de natureza emocional e cultural, tais como proporcionar prazer e escape do cotidiano, integrar o convívio social, caráter simbólico em festividades etc. Mesmo que um alimento seja visto como tendo “calorias vazias”, seu impacto na saúde deve ser avaliado no conjunto da dieta, pois depende da frequência e quantidade ingerida relativa ao todo. Em relação aos ingredientes, particularmente quanto às matérias-primas, adoçantes, conservantes e outros aditivos usados pelas indústrias, sua segurança é atestada pela Anvisa e, portanto, usar sua presença, como critério de não saudabilidade, é contrastante com a legislação vigente.

A segunda questão trata do viés míope de interpretar o consumidor de alimentos como homo economicus, ou seja, sempre racional em suas decisões, sem contemplar fatores culturais, sociais, pessoais e psicológicos que afetam seu comportamento de compra e consumo. O princípio básico da taxação reside no conceito de elasticidade da demanda e na hipótese de que as alterações em vendas de calorias são equivalentes às ingestões dessas mesmas calorias.

A microeconomia é uma das áreas estudadas na disciplina de comportamento do consumidor, mas que é muito mais complexa e abrange várias áreas, como a psicologia, sociologia, antropologia, entre outras. Assim sendo, não há garantia de que um aumento no preço de um produto, apesar de poder impactar suas vendas, acarrete diretamente uma diminuição significativa da sua ingestão calórica, por ser esse um caminho bem complexo.

Por exemplo, o menor consumo de um produto pode ser compensado pelo aumento do consumo de outros alimentos. As estatísticas de mercado podem revelar que as vendas de sorvetes industrializados caíram, mas não é capaz de saber se as pessoas passaram a ir mais às sorveterias, ou comer uma fatia a mais de pavê ou pudim, no seu dia a dia. Essa questão remete ao nosso terceiro ponto que trata da eficácia do tributo.

Conforme o relatório Análise do consumo alimentar pessoal no Brasil, IBGE, POF 2017-2018, no período da pesquisa, os alimentos in natura ou minimamente processados e os ingredientes culinários processados tiveram participação de 69% no total de calorias determinados pela aquisição alimentar domiciliar. A categoria de chocolates, sorvetes, gelatinas e sobremesas industrializadas teve participação de 1,4%. Então, um tributo sobre essa categoria de produtos, equivocadamente definidos como não saudáveis, na improvável hipótese de que uma taxação reduzisse diretamente sua ingestão em 25%, no máximo abrangeria, aproximadamente, 0,4% das calorias diárias.

No conjunto, o impacto da política sobre os alimentos classificados como “ultraprocessados”, com participação de 19,7%, seria uma redução de 5% das calorias diárias. Isso teoricamente, pois países que adotaram esse tipo de tributação mostram ocorrências de queda em vendas, mas convivem com estatísticas que não revelam mudança de hábitos ou diminuição da incidência de DCNT
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Por: Raul Amaral